domingo, 8 de novembro de 2009

A compulsão e a derrocada

Eu já estava novamente nas garras da adicção. O perfil da personalidade se modificava à olhos vistos. Sempre fui uma menina doce, de certo modo tímida, cordial e meiga, mas já estava me tornando agressiva, intolerante e irracional.
A anfetamina era essencial para me animar, e precisava de remédios para dormir. Acordava mal humorada e infeliz, aí recorria ao hipofagin para estabilizar o humor, ficava agitadíssima, era uma bola de neve e o Rogério não percebia, pois só me via a noite.

Começaram as brigas. Ele era tudo para mim, mas já não havia mais nenhuma racionalidade, a co-dependência se instalara e o ciumes doentio tb. Até hoje não sei o que era fato ou imaginação. Os amigos não davam trégua, as interferências eram fortes e prejudiciais ao relacionamento do casal. O Rogério começava a perceber a enrascada em se havia metido, a pouca idade e o entusiasmo da paixão o levaram a uma dolorosa experiência prematura.

Ele (Rogério), começava a negligênciar os compromissos do casamento, chegava tarde e por uma ou duas vezes não dormiu em casa. Em uma destas vezes em que não dormiu em casa, no dia seguinte havia um almoço na casa da minha sogra, ele chegou no final da tarde, não sei como consegui me controlar, mas quando chegamos na nossa casa, descarreguei toda a fúria contida. O meu cunhado na ocasião, havia nos levado em casa e foi a vítima. Arremessei um vaso grande na direção do Rogério, ele desviou e acertei em cheio na cabeça do Claudio, este teve um corte profundo na testa e perdeu os sentidos. Foi o começo do fim.
Eu já percebera, mesmo muito vagamente, que havia algo de errado comigo.

Vou recuar um pouco no tempo. Lá no interior mineiro, onde eu morava com a vovó, eu manifestava alguns sinais de distúrbio, além daquela cena pavorosa com o papai, me envolvi em outra situação grave. A família nunca soube como aconteceu de fato, aliás ninguém. A cidade era Sete Lagoas, havia uma corrida de motos em torno da lagoa central, era um evento e tanto. Combinei com algumas amigas e fomos, chegando lá, as motos estavam aquecendo os motores e correndo para lá e para cá, numa distração das amigas, me joguei na frente de uma moto. O saldo foi bem negativo, me cortei toda, fiquei em frangalhos. Acho que queria morrer.

Fazíamos loucuras quando nos drogavamos, as vezes saíamos do perímetro urbano e íamos para as fazendas próximas, isto quando chovia, pois era a época dos cogumelos. Levávamos docinhos de leite e comíamos in natura mesmo, nada de chá. Voltávamos já ao anoitecer e o caminho era a estrada desativada oficialmente que ligava BH a Brasília, mas ela ligava 5 ou 6 cidades, ou seja tinha movimento. Me recordo de um destes finais de tarde, a lua ia alta e cheia, a onda era alta tb, resolvemos deitar exatamente no meio da estrada e ficar viajando. Preocupação nenhuma e proteção total do Poder Superior. Eu vivia desafiando a morte.

Também fui vítima de muitas armadilhas criadas por "amigos" e da própria vida.
Já casada e com a filhinha ainda bebe, aceitamos um convite do Renato e da namorada (outra, não menos pior do que a anterior) para uma viagem de fim semana. Era uma fazenda na serra de Mangaratiba de um amigo dela (vou chama-la de namorada 2). Lugar muito interessante, e estava cheio de convidados. Recebemos o nosso quarto e nos instalamos. Eu, nesta época ainda não havia retornado as drogas, estava limpa e feliz.

O Rogério já enturmado, eu meio deslocada, até pq, a namorada 2 não fez questão alguma de me apresentar as pessoas. De vez enquando eu procurava o Rogério e ele me procurava, neste meio tempo, eu explorava a natureza. A noite caiu e eles fizeram uma enorme fogueira em volta da lagoa, todos bebiam e se drogavam, eu ficava cada vez mais deslocada. A namorada 2, tinha uma amiga muito antipática e bonita, e já estava intima do Rogério, mas me ignorava. Com o passar do tempo e a loucura crescida, todos menos eu, ficaram nus na fogueira. Fiquei na sala e adormeci, a luz era de lampião, acordei com caricias sob a minha calcinha, permiti crendo que era o Rogério, mas não era, era o dono da casa.
Levantei num salto e corri para a fogueira e para o lado do Rogério. Ele estava doido, mas percebeu que havia algo de errado comigo, me inquiriu, eu dissimulei, disse que havia tido um pesadelo. Fui para o quarto e me tranquei. Quase amanhecendo o Rogério bateu na porta achando muito estranho eu estar trancada, e ainda querendo saber o que havia acontecido, comecei a chorar e acabei relatando.

Hoje,percebo que não deveria ter contado, pois a reação dele foi a pior possível, procurou o cara, e quando achou, bateu muito nele, eram chutes com o coturno, socos e sei lá o que mais. Eu estava apoplética.

Começamos a arrumar as coisas para voltar, o Renato, a namorada 2 e a amiga, voltariam conosco. A viagem de volta inteira, fui agredida verbalmente pelas duas, e o Rogério não me defendeu. Foi um pesadelo.

Paro por aqui, estou tremendo com estas lembranças...
Abraços, queridos amigos, obrigada por dividirem comigo este passado doloroso.
Dor dividida é dor diminuída.

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